O amor-próprio e os colibris tupis
Cotovia@mafalda.carmona
Ou como a vida selvagem é um porto seguro.
- Aos domingos para mim, para o fundador da estação de televisão que emite o programa, e, pelo menos para algumas das minhas pessoas, não pode faltar a "Vida Selvagem", e no top de visualizações com direito a ocupar espaço de gravação nos megas da box, está o documentário da vida selvagem da Arrábida, de Luís Quinta e Ricardo Guerreiro.
Documentário "Arrábida da Serra ao Mar"
Sim, é sempre uma boa coisa estar informada sobre o que se passa no planeta.
“Informação é poder” e estes conhecimentos são muito úteis para, em momentos cruciais, as decisões “informadas” aparecerem, não por magia, mas graças ao conhecimento, preferencialmente em primeira mão (ou asa). Mas, como não se consegue, nem voando, estar em todo o lado ao mesmo tempo, a televisão e os jornais dão jeito, verdade.
Se refletem a verdadeira natureza da vida selvagem?
Não necessariamente. Pela concorrência em todas as áreas, e esta não é exceção, haverá que modelar o tom, o encadeamento e a escolha das imagens para se determinar qual a história a contar. Se a sequência for feita por outra ordem, o texto da locução diverso, várias realidades podem ser apresentadas com as mesmas imagens base. Ao fim e ao cabo é uma espécie de reality show com uma produção e direção de atores involuntários e não remunerados.
As coisas boas deste programa são as imagens, a locução e o estilo imutável, todas a cooperarem, para fazer chegar até nós a sensação de permanência. São, para todos os efeitos, uma referência, o anti-reflexo do mundo caótico e aparentemente fora de quaisquer regras, pois neste, o da “vida selvagem”, podemos contar com uma certa lógica, e, tem as referências fixas que nos são essenciais.
Essenciais porque precisamos de alguma segurança (ou muita) ao longo do percurso das nossas vidas.
Precisamos daquilo que é chamado "porto seguro" onde sabemos temos salvo-conduto para "pousar" sempre que nos apetecer, ou quando cansados física ou emocionalmente.
Vamos, por exclusão de contexto, pôr de parte o município de Porto Seguro, na Bahia, do outro lado do Atlântico, até porque, nesse caso, o porto seguro foi apenas para Pedro Alvares de Cabral, e não para a tribo Tupi que lá estava previamente.
Deixando os exemplos geográficos (e históricos), continuamos na analogia:
Todos nós temos, ou deveríamos ter, este lugar, "O" lugar, onde sabemos que somos sempre bem-vindos, bem recebidos, acarinhados ou... deixados sossegados e a sós de quando em vez pois também é importante.
Na prática andamos muitas vezes feitos “baratas tontas” (a falta de generosidade para com as baratas, provavelmente é injustificada, e se calhar até sabem o que andam a fazer…) à procura de um porto seguro ai por esse mundo, o nosso, o da BBC, o selvagem, o do “Outro”, o do star system, enfim em todo o lado menos onde ele realmente está.
Isto porque o “nosso” porto seguro não existe em lado nenhum antes de o construirmos.
Para o Sermos, temos de o criar, reservar o tempo e investimento pessoal para cultivar esse lugar dentro de nós mesmos, onde nos aceitemos e nos reconheçamos. No fundo, "O" "Lugar" é o Amor-próprio. Para desenvolver o amor-próprio não é necessário ocupar território Tupi ou território de qualquer outra tribo, o espaço para o amor-próprio está lá, sossegado, veio com o resto do pacote “pessoa” quando nascemos, de forma completamente gratuita, e, nunca é tarde para resgatar este voucher*.
Portanto basicamente é só pegar no voucher, tomar posse do espaço destinado ao amor-próprio e desatar a construi-lo com muito empenho. Bom, assim básico, básico, não é. Devia ser…mas não é.
Não por ignorância, por algum motivo os homens são sapiens, mas sim por excesso de esforço.
Por excesso de trabalho. Por excesso de ego. Por excesso de perfeccionismo. Por excesso de interferência. Por excesso, portanto, de tudo menos de amor por si mesmo, ou amor-próprio. O excesso de tudo isto é esgotante. A ideia de que só podemos ter amor-próprio se tivermos valor, provado, atestado e reconhecido, se tivermos passado à condição de semi-deuses numa qualquer área, (ou em muitas) se tivermos atingido a excelência, acaba connosco. Acaba também com as condições do nosso Lugar como sítio fértil para lá semear seja o que for e muito menos construir o amor-próprio. Assim não vai dar, e podem ler mais sobre o " menos é mais" (não apenas na arquitetura mas na vida e também nas condicionantes para a construção do amor-próprio) e como o amor tende para o menos infinito aqui.
O amor é isso mesmo, dar, dar não importa o porquê, ou antes importa: porque sim. E ponto final.
Sentimos isso claramente quando o amor é pelo outro, nesse caso o amor existe, persiste e insiste mesmo quando os objetivos não são alcançados, mesmo quando não são atingidos os ideais de sucesso, visibilidade, conta bancária, forma física. Nada disso interessa, e continuamos lá, firmes, por causa do amor que temos, seja aos outros, aos filhos e filhas, aos familiares, aos amigos, ao companheiro ou companheira, à cidade ou bairro onde vivemos, ao país onde nascemos. É esse amor para com algo ou alguém que nos anima a dar. Independentemente do resultado. Independentemente das “roupas” com que se apresenta, se está mais ou menos na moda, se tem mais ou menos seguidores ou likes.
O nosso Like basta. Como basta aplicar o sentir e a ação do amor pelos outros a nós mesmos.
Nesta construção do amor-próprio, aparecem alguns elementos sabotadores.
Estamos nós na nossa paz com o nosso amor-próprio a ir de vento em popa, tudo muito lindo, cheio de passarinhos e amor por todos os lados, e lá vão aparecer os “amigos da onça” do costume: a falta de confiança, o medo, o excesso de trabalho, as distrações, as críticas acidulentas e destrutivas, as situações ou pessoas tóxicas.
Nessa altura, e como temos mais facilidade em defender o outro, imaginemos estas “onças” a aterrar no nosso espaço de amor-próprio como “terminators” ao estilo de Arnold Schwarzenegger.
Imaginemos, ainda, a existência de outro ser, mais pequeno e mais pacífico, o beija-flor colibri, todo fofo, a desafiar a lei da dinâmica (tanto que a tribo Tupi lhe chamava guainumbi, o “que passa depressa”), lá na sua vida, todo contente, na terra do amor-próprio.
link para "as aves que aqui gorjeiam tinham outros nomes"
Neste cenário, não interessa se o Arnold vai querer as penas para enfeitar chapéus ou se o colibri vai ser dano colateral por estar no caminho das botas do Arnold. O que interessa é que o Arnold não vai “terminar” a existência do colibri. Nem de coisa nenhuma. O Arnold vai dar meia volta e desaparecer. Para não voltar.
E é isto. Abracem os colibris e escorracem os Arnolds.
Viva o Amor-Próprio!
P.S.
Como tive oportunidade de dar vivas aqui, Viva também a liberdade!
P.S.#2
Além dos Arnolds também há os Lobos Maus, podem ver aqui como é possível correr com eles se por acaso algum resolver perturbar o vosso espaço do amor-próprio, além de, tal como na anedota do urso, ao contrário do Arnold, a presença do Bradley poder ser muito benéfica para lidar com as situações e pessoas tóxicas ...