Conde Drácula...
Cotovia@mafalda.carmona
Morcegos, estatísticas do blogue e criatividade.
- Nem sempre a evolução vai pelo caminho expectável, às vezes envereda por rumos surpreendentes, por isso, o gráfico de visualizações do blogue da Cotovia e Companhia tem mais semelhanças com o voo dos morcegos e dos estudos de Leonardo da Vinci, ou das imagens usadas nas obras góticas de Mary Shelley (1797-1851), precursora da ficção científica, e está longe da aerodinâmica do surfista prateado de Jack Kirby (1917-1994), senão quando as visualizações ficam no zero.
A estatística apresenta uma linha fluorescente, e no caso, desenha aquilo que parece o voo de um morcego frenético num dia, ou antes numa noite, pois de dia estes mamíferos voadores espantosos e peculiares estão na sua paz, pendurados de cabeça para baixo, e pouco dados a movimentos, muito menos a algum que resultasse no frenesim da minha linha estatística.
Do mesmo modo as ruas da baixa pombalina não têm, {contra a lógica do século XVIII}, centenas de carroças puxadas a cavalos, nem a problemática logística decorrente dessa atividade, mas sim veículos com potencia de muitas parelhas de cavalos invisíveis de eletrões, ainda em minoria mas a partir de 2025, parece, os únicos a poderem circular em virtude das problemáticas da (in)sustentabilidade do planeta no modelo atual.
As invenções sucedem-se, patenteiam-se, desenvolvem-se, até se compram, vendem e são cotadas na bolsa.
Por isso, nas coisas materiais há uma aparente ordem, e, embora complexa e até com certo romance e intriga, obedece a algumas normas, entre elas o registo da sua aparição no tempo.
Dou por mim a reflectir que, para as coisas pensadas e levadas à escrita, o processo é muito diverso.
A palavra escrita desde Gutenberg, é, literalmente, senão um mundo à parte, uma imensa floresta de muitas árvores, árvores com muitos ramos e folhas, das que se faz a pasta de papel, e depois os livros, e desde o século passado temos os zeros e uns, em carreiros de formigas, a subir por essas árvores, para escavarem nos troncos ninhos de palavras em formato digital, até a realidade e a imaterialidade se enxertarem numa nova espécie.
No presente, existe a exploração (palavra que quando usada para as explorações históricas do Ártico e da rota da seda, teria, certamente, outro significado), destas florestas, feitas por quem, sem plantar nem pensar reflorestar, chega e arranca tudo até às raízes, afirmando, de seguida: "-É meu". E mesmo todos sabendo que não, lá vão ficando os senhores exploradores com os lucros.
Noutra área com exploradores, a da botânica, ninguém se lembra de aparecer com uma margarida e anunciar ao mundo e à comunidade científica, "-É meu, e a partir de agora chama-se flor Mário Marmelo.", por exemplo, pois existe um certo pudor e sentido do ridículo perante o óbvio disparate.
No entanto, no mundo da escrita e da literatura muitos clamam suas, margaridas que não lhes pertencem.
Nessas coisas escritas, é recorrente um pensamento: "- Já li isto em qualquer lado." Tento perceber quem assina, para ver se o nome acende uma luzinha de correspondência, e, vejo a autoria ser assumida, num passado recente, sem a referenciar a quem de direito, muitas vezes séculos atrás, a pensou.
E penso eu: "-Isto de se tentar ser original tem muito que se lhe diga...". E mesmo com muitas reticências, tal como diziam os Rádio Macau, por vezes admito:
"um dia pensei pintar o céu de azul, mas azul já ele era, outro alguém teve ideia igual".
Agora por causa dos Rádio Macau, penso, temos o rádio, temos além da palavra escrita, a tradição oral, temos a palavra falada, as versões áudio das publicações.
Temos os podcasts, os filmes, documentários, o teatro e a música com as "canções" e letras, num mundo infinito de florestas de palavras, de natureza muito profícua. Temos, sempre, como base onde se alicerça tudo isto, os pensamentos, coisa invisível, e nem precisam de Gutenberg para existirem, nem para se materializarem nas obras escritas, de arte, de música, de dança, que por sua vez, geram emoções.
E surgem as questões:
Afinal quem são os autores? Seremos todos autores? Quem determina o que é, e o que não é original?
A imagem do "queijinho" do conhecimento humano aparece numa espécie de realidade virtual na minha cabeça: 1% o que sabemos; 2% o que sabemos que não sabemos; 97% o que nem sabemos que sabemos. Esta distribuição percentual mostra que andamos todos a repisar os 3% de conhecimento, mas mostra também que existe 97% de conhecimento por descobrir.
Portanto, afinal, a originalidade tem forte possibilidade de ocorrer, mais do que a falta dela.
Resisto à tentação de abrir duas dezenas de abas, ou mais, no pesquisador e vou buscar a enciclopédia. Espero encontrar respostas, e de forma resumida, sem muitos espinhos, pois o meu cérebro a esta altura já parece um Cristo, num verdadeiro calvário do conhecimento, atarraxado a uma coroa de santa ignorância.
Vamos lá: definição de 'autor'. Não, não encontro, passa de autópsia para avant-garde, e embora original, não é a definição que procuro.
Segunda tentativa, dicionário de narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes, 7ª edição da Almedina, cá está, índice de termos, autor, página 39-44! Tomo consciência da tarefa complexa, e terei de esmiuçar o texto para encontrar uma citação adequada, ou uma misturada de várias.
Assim, definição de autor, com Ó. Tacca 1973:
"a noção de autor pressupõe (...) um homem ( ou Pessoa, digo eu) estimulado pelo afã de criar e, sobretudo de ter criado.(...) A categoria de 'autor' é a do escritor que põe todo o seu ofício, todo o seu passado de informação literária e artística, todo o seu caudal de conhecimento e ideias (...) ao serviço do sentido unitário da obra que elabora."
Prossegue adiante com o conceito de 'autor implicado', além de conceito, é um excelente título para um policial:
"revela um 'segundo eu' (Booth, 1980) até o romance que não tem um narrador dramatizado cria a imagem implícita de um autor nos bastidores, seja ele director de cena, operador de marionetas ou Deus indiferente que lima, silenciosamente, as unhas", e neste ponto, antes de eu mesma ir à manicure, termino com (Lanser, 1981) "não só o 'conteúdo' da obra, mas também as suas estruturas formais [podem ser] entendidas como reflexo da opinião do autor".
Prossegue na Narratologia:
"O autor implicado corresponde assim a uma espécie de solução de compromisso, tentativa mitigada de recuperar para a cena da análise narrativa uma responsabilidade que não se confunda com a do autor propriamente dito". Para S. Chatman, 1981 (Pessoa com nome de homem gato) " o autor implicado "não é o narrador, mas antes o princípio que inventou o narrador, bem como todo o resto da narração."
Ou seja, concluindo e resumindo:
Definição de autor da Cotovia:
Pessoa criadora de obra original reflexo da sua opinião e vivência, expressa de forma direta ou velada, que admite um 'segundo eu' mas não um 'terceiro ele ou ela', vulgo plágio, destinada a formalizar-se numa obra narrativa única que é reflexo do seu passado, das ideias e informações literárias e artísticas referenciadas a si mesmo, pois é o criador do seu próprio universo e nele se recria num estilo próprio e inimitável. Como bónus, a Pessoa pode, ainda, limar as unhas descansada quando lhe apetecer.
@mafalda.carmona
Disse.
P.S.
Tal como a minha Pessoa Amiga, a mesma a sugerir os Monólogos, tirou o chapéu à excelência da arte e técnica do som, tiro também o chapéu a todos autores, neste caso com o chapéu de Alberto, o Caeiro, o heterónimo de Pessoa (1889-1935) o "guardador de rebanhos", que infelizmente deixa Pessoa em 1815:
"E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz,
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural-
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar."