Música...
Cotovia@mafalda.carmona
Ou a música no coração da vida do dia a dia
- O Fado das coisas banais que pensamos ser individuais, mas fazem parte da vida de muitas Pessoas. Episódios acompanhados por uma música, um tema, uma composição, que os marca, ou nos marca, ou mesmo o ambiente musical do sítio onde nascemos, do Fado de Alfama e Mouraria, mas não exclusivamente, ao Cante de Beja e Serpa, mas não exclusivamente, são exemplos de como o individual se torna universal, através do caminho que leva do individualismo para um humanismo global.
Assim teremos aquela que é a primeira música de que nos recordamos, a música ou as músicas preferidas, muitas vezes essenciais para nos ajudar a viver, a resistir, a reparar alguma coisa, talvez porque quem canta seus males espanta, e ouvir outros a cantar terá o efeito de nos encantar. Será a derradeira expressão da liberdade.
E, também, de nada a tudo, mede o grau de liberdade de um regime político.
Por ventura será a mais pessoal e individual expressão da liberdade. Sob a égide do direito de opção, e do "gosto não se discute", cada um é livre de gostar da música que entender, da clássica ao hard, heavy, punk metal, e mesmo quem goste da música pela sua ausência, o silêncio, essa também é uma opção, que pode, se utilizada em formato de ativismo, cantar mais alto do que Amália ou Celeste Rodrigues.
Tudo acontece na esfera da privacidade, apesar de estar sob a proteção de uma maioria de grupo, e assim é possível, sem que isso seja contestado como certo ou errado, dizer que se gosta de Vivaldi a Ana Moura, de U2 a Amor Electro, de ABBA a Mónica Sintra, de Rolling Stones aos Quatro e Meia, de Carlos do Carmo a Beatles, do Haka aos Duos Sertanejos, da música Country aos Blues.
Como em tudo, podemos divulgar, dar a conhecer, dizer o porquê de gostarmos, podemos louvar as virtudes de determinado músico, grupo, compositor ou cantautor. Mas não valerá a pena, nem faz sentido, querer obrigar um povo a gostar de um determinado género, música, autor, cantor ou cantora, numa tentativa de romanização fora de época.
Também é, tantas vezes, motivo de divergência entre as gerações, e tanto pode ser um elo de ligação nuns, como um motivo de desentendimento noutros. E, no entanto, é um tema para gerar comunicação, assim se queira conhecer ou partilhar, para perante todas as opções disponíveis, cada um escolher a que preferir.
Extraordinário é que, como a maioria das áreas do conhecimento, se pode cultivar o gosto pela música.
E, o que é mais fantástico, ajuda a exteriorizar através da paixão musical, a paixão pela vida, uma paixão que renova a vontade, fortalece a saúde, proporciona alegria, e entre outras coisas, estimula a memória, quer pelas recordações a que está associada, como pela memorização das letras de nossa predileção.
E julgo que estarei certa se disser que a paixão é compatível com a paz. Podemos pensar nas canções de Abril, que rimam com liberdade, democracia, e educação, que me faz recordar Zeca Afonso.
"No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada(...)"
Ou como a difundida mundialmente "Bella Ciao" através da série "Casa de Papel" revela momentos na história de um povo, que com a música sai à rua, nas palavras dos direitos e da justiça social, com um papel ativo na mudança.
"(...) E se eu morrer como resistente
Tu deves sepultar-me
E sepultar-me na montanha
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
E sepultar-me na montanha
Sob a sombra de uma linda flor
E as pessoas que passarem
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
E as pessoas que passarem
Irão dizer-me: «Que flor tão linda!»
É esta a flor do homem da Resistência
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
É esta a flor do homem da Resistência
Que morreu pela liberdade."
Assim, como conclusão, tudo aquilo que escolhemos, é reflexo ativo da Pessoa que somos, do clube desportivo à modalidade, do estilo à música, e, mesmo não querendo, somos expressão de um grupo mais alargado, que eventualmente, tendo noção de si mesmo, se poderá tornar um movimento e influenciar a um nível mais geral a sociedade onde vivemos.
Transformada na expressão de um povo, estranho é ser ignorada pela esfera governamental.
Negar a canção que se está a formar de muitos numa só voz, não irá silenciá-la. Porque neste caso não se trata de ruído, trata-se de uma onda de música, uma música com uma letra que não é necessário entender, nem saber cantar ou tocar um instrumento, basta sentir.
Um sentimento que está a crescer e a chegar a 10 milhões para chegar a mais um.
O primeiro.
José Saramago, na sua escrita, aborda a importância da música como forma de resistência e liberdade, e escreve:
"A música é o meio mais eficaz de comunicação no mundo inteiro. E não só comunicação, é também resistência, é também rebeldia, é também subversão. Em todas as épocas e lugares do mundo, a música esteve presente nas lutas contra a opressão, na reivindicação da liberdade, na afirmação da dignidade humana".
(...) Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos... ossos dela. (...) Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste."
Sejamos vida.