Sexta-feira 13
Cotovia@mafalda.carmona
Diagnóstico: Sem Palavra
Então, diga, o que a traz por cá?
Falta de ar, uma explosão no peito.
Ardência nos olhos, tremores,
dores nos dentes —
tontura e náusea.
Doutor, há remédio?
O que pode isto ser?
Traição, traição, caríssima utente.
Daquela que chega sorrateira,
vinda daquela sombra traiçoeira
que chega, primeiro sem convite,
depois entranha-se na alma
uma chama voraz,
insaciável, feroz e ardente.
Não é amigo, nem amiga,
E chamar-lhe família,
cara metade, cônjuge?
De nada serve.
Se fosse,
seria uma simbiose,
um caso clínico,
um estudo patológico
de ligação à nascença.
Não. Não há cura.
Nem medicação, nem leis antigas —
"Leva de volta o que causaste."
"Olho por olho, dente por dente."
Nem teorias da psicologia,
fisioterapia, ioga ou Pilatos —
todas soluções para outra maleita,
- mas nesta, nenhuma se aplica.
Não, não funciona assim.
Esta doença, 'Quebra de Confiança',
não é praga, nem bactéria,
mas eco de um silêncio,
que se prolonga, invisível,
um veneno que transborda,
implacável e letal.
Mentiras omissas nas palavras,
nos gestos, na ausência prévia —
acúmulo de deslealdade.
Ossos em estilhaços,
cirurgia sem consentimento
de versões infiltradas,
um bisturi que opera
sem anestesia, preciso e calculista.
E, no entanto,
o bom do diagnóstico:
é que a mata.
Cessará de existir
por breve momento, ou um pouco mais,
mas não para sempre.
Pois que a transforma, porventura,
numa alma só de verdade,
estranhamente mais forte.
Senhor doutor, o que faço à senha?
A100, A de amor e cem.
Ponha no cesto da reciclagem,
até à próxima e passe bem.
Se faz favor, não feche a porta.
O seguinte, senha A101, pode entrar,
uma capicua, a roda da vida a girar.
Mas não faça caso, bom dia.
Então, diga, o que o traz por cá?
Mafalda Carmona
13.12.2024 | 07:17 hr.
Há dores que não aparecem em radiografias, que não têm cura prescrita ou remédio milagroso. Mas delas pode surgir a transformação. Este poema é um diagnóstico — de fragilidade e de força. Uma reflexão sobre a quebra de confiança e a capacidade de renascimento, para uma vida mais íntegra, mais verdadeira.