Ou Rosas
"As sementes, no entanto, são invisíveis. Dormem secretamente sob o solo até que uma delas resolva acordar. Essa semente se espreguiça e, no início, timidamente, lança em direção ao sol um gracioso e inofensivo rebento."
Saint-Exupéry
- Tenho um vizinho que é bombeiro. Bombeiro profissional! Vemo-lo de manhã todo bem disposto, na sua farda de bombeiro com boina azul escura e insígnia todo aprumado, a cumprimentar todas as pessoas com estóica resistência, e quem o vê passar tem de fazer um esforço para se lembrar que o vizinho não nasceu bombeiro, ou sequer ficou bombeiro de repente.
Foi preciso, com a sua namorada de escola, atravessar um oceano atlântico. Depois, enquanto bom vizinho, viver a ajudar toda a gente, quer com a sua simpatia, como com a sua voluntária atitude, que entre fazer a formação para adquirir as habilitações para ser, agora, bombeiro profissional, ainda tem tempo para organizar caminhadas e exercício físico entre o grupo de vizinhos, estar sempre pronto para ajudar numa emergência doméstica, avisar os esquecidos que a janela do carro ficou aberta ou a chave de casa na porta da rua, bem como ser um autêntico motivador ao nos presentear com a sua alegria de estar e viver.
Mas o que de mais significativo faz este vizinho bombeiro é não deixar que se instale o desânimo.
Ele nota as ausências, incentiva a quebrar os silêncios, e com a sua persistência convence até os mais tímidos a responder aos cumprimentos, e a acederem a integrar as atividades da vizinhança.
Sou uma fã do vizinho, e para além de achar que há bombeiros que, afinal, já nasceram bombeiros.
Já o eram antes de o serem.
Por outro lado concordo com esta visão do vizinho bombeiro, segundo a qual, nem o sofrimento, nem a dor, nem as agruras precisam de ser feitas em silêncio.
Esse silêncio que, pode tão facilmente ultrapassar o limite razoável, para em certos casos durar décadas, sem que vizinhos, familiares ou conhecidos dele se dêem conta, levando a pessoa desumanizar-se ao ponto da violência, própria ou de quem com elas co-habita, poder imperar nas suas vidas, privadas assim de um apoio ou assistência.
E na nossa vida temos muitos bombeiros que nos ajudaram, e ajudam, em momentos cruciais, em fogos emocionais, em desertos financeiros, em encarceramentos dramáticos, em ruas sem saída, em lugares perdidos, dos quais nos resgatam com um sorriso e com a prontidão permitida pela generosidade de coração e alma bondosa.
Alguns desses bombeiros salvadores, apaziguadores, conhecemo-los pessoalmente, podemos agradecer, mostrar o nosso reconhecimento, no caso com a oferta de uma rosa, uma cesta de ameixas ou xuxus, laranjas ou limões, um ramo de hortelã ou alecrim, ou a nossa disponibilidade e tempo para algo em que possamos prestar apoio ou simplesmente, estarmos presentes.
Outros não os conhecemos pessoalmente, mas podemos agradecer e haja vontade, conseguimos agradecer, de forma a se tornar possível o reconhecimento, a entre-ajuda, a motivação e, o mais importante, vencer as barreiras do silêncio.
Fazendo da partilha a oferta de flores na forma de tempo, atenção, amizade, e palavras.
Assim, aqui ficam algumas das palavras de alguns dos bombeiros da escrita (mas existem muitos outros, felizmente), através dos comentários na publicação Los Angeles, porque tal como o mundo, os edifícios e monumentos precisam da luz para se revelarem, nós precisamos dos outros, e da sua luz própria, para sermos, pois é aos Outros que devemos a nossa existência e permanência.
* PJ Cortes
"Levam nos pés nus mágoas perfeitas
De filhos, mães, pais e avós perdidos"
"Não apenas os anjos o fazem, como os próprios que aqui são falados também, pelo que para mim são, muitas vezes, a personificação desses mesmos anjos."
*Francisco Carita Mata
"Creio em anjos, santos, santas" e seus feitos
Lágrimas de tormentas e sonhos desfeitos
De homens mesquinhos em guerras, fúteis pleitos Quanto ganhavam tendo gestos escorreitos!"
*Maribel Maia
"Alguns amigos são como anjos em nossas vidas!!"
*Mª. João Brito e Sousa
"O quente e manso olhar dos inocentes"
É também património dos humanos,
Tal como as penas dos seus desenganos
Que lhes pendem das asas sempre ausentes
Nesses eu creio, sim! Creio nas gentes
Que ainda que minadas pelos anos
Arrastam pelo chão os rotos panos
Com que cobrem os corpos decadentes
Creio também nos muito pequeninos
Cujos futuros estão ameaçados,
Que nada sabem sobre os seus destinos
E que desenham anjos dos alados
Tal como eu fiz em tempos, que os meninos
Sempre o fizeram, se foram amados."
*Zé Onofre
"Acreditar,
Todos acreditamos em algo
Real,
Quanto a realidade o pode ser,
Transcendente,
Quanto a transcendência possa haver.
Tenho uma crença
No Ser Humano
Tão efémera e frágil
Como é a Humanidade.
É uma centelha
Que A acompanha
Desde o berço profundo
Em terras de África,
E A seguirá até às estrelas,
Ou mais além.
É uma crença certamente vã
Como poderá ser outra qualquer.
Mas sem uma crença
Vã seria a vida."
Imagem ilustrada da citação da internet
** Rosas, fotografia de Mafalda Carmona