Viva a Liberdade...e o algodão doce...
Dia #3/100
Cotovia@mafalda.carmona
...E as nuvens
- ...e viva a Arquitectura que estamos no mês de outubro! E porquê? Porque dão sentido à vida. Pelo menos em parte.
Pensando sobre isso, o que dá sentido a uma vida? O trabalho? A família? O dever? O poder? A devoção? O amor? Porventura a criatividade? As pessoas?
Acho que (...e se não leram o post sobre a importancia de achar podem ler aqui... ), não apenas na vida mas também na arquitectura, são todos.
Falando inicialmente da arquitectura, porque é coisa e das coisas falamos mais facilmente e ferimos menos susceptibilidades:
Porque, na criatividade do gesto sobre o lugar, essencial para exercer a arquitectura são precisos, pelo menos, 6 elementos: imaginação, lugar, tempo, possibilidade, capacidade e pessoas.
E depois disso muitos outros, entre eles a relação com o cliente, com as entidades municipais, com as especialidades, regulamentos legais e mais.
Mas destes, apenas num elemento existe o controle, que é a imaginação, no entanto se os outros 5 elementos não forem convenientemente conjugados, não existe a chamada "capacidade".
Por isso a arquitectura é arte e técnica.
Porque precisa de responder a um programa, precisa de ter um cliente que a torne sustentável, precisa ser exequível financeiramente, precisa solucionar um determinado problema, precisa ser, no fundo uma ferramenta apurada para chegar a um objectivo, é um "fix it" como na série de TV, e entristece-me quando, demasiadas vezes acaba por ser, apenas, um problema. Basta olhar em volta.
Pode, é verdade, no seu melhor, criar todo um mundo excepcional, tornar experiências sensoriais uma realidade palpável extraordinária e abalar emocionalmente quem a contempla ou dela frui. Quem fica indiferente ao visitar a obra maior de Gaudi?
Suponho ninguém, porque os gestos dos génios não são desenhados para a indiferença, são consumados para durar uma eternidade. Mas, não são, em momento algum, um gesto isolado.
Não são reflexo de um ato de liberdade, não são livres. Não porque, em primeiro lugar temos a gravidade, temos a matéria em segundo, depois temos as pessoas, o factor humano, e qualquer um destes factores impõem constrangimentos ao exercício da liberdade.
Aliás se existisse esse 7° factor na arquitectura, o da liberdade, não seria arquitectura, seria qualquer outra coisa, como nuvens ou algodão doce ou chuva ou espaço 1999 e voava.
E, isso nem monsieur Le Corbusier conseguiu, mesmo pondo as suas obras elevadas sobre esqualidos pilotis, nem Oscar Niemayer com suas redondas espacialidades que quase pairam, mas não.
Assim, se confinados, a arquitectura que nos rodeia sofre a transmutação para a sua pior versão, a da imobilidade, da limitação, da barreira. Porque, em confinamento, se torna numa concha demasiado pequena para ser, o existir, e ainda que devamos a evolução da espécie ao sedentarismo, isso não impede que se sinta a imobilidade, impotência, a claustrofobia, e estas limitações obrigam a, necessariamente, procurar, novamente, a liberdade.
E, como matéria que não voa, nem estica, nem se espande, então a mente toma-lhe o lugar e voa.
Escapa-se noutros gestos, outros meios de sobrevivência, de comunicação, em exercício de Houdini pode concretizar-se na redescoberta do amor primário pelas formas. Sim, mas agora pelas formas das letras, pela sonoridade das palavras quando se agrupam, a expectativa da pontuação, as imagens criadas pelos parágrafos. Um outro mundo paralelo de criatividade, o da escrita, para continuar a construir histórias, narrativas, não de pedra e cal ou cimento ou qualquer outra materialidade, e redescobrir, uma vez mais a liberdade. Com letras e um meio de as fixar, pode levar-se a cabo a construção de um universo infindo, que só necessita de dois elementos : tempo e imaginação.
Onde o gesto do desenho da criação das formas e das suas relações passa a ser o da escrita.
Os meus escritos antes da escrita.
Neste criar o que se quiser e se expressar seja o que for, acessível a todos, tão democrático quanto livre, existe também este inspirar profundo, este respirar sem constrangimento ou emergência, apesar das pandemias, crises, guerras ou por causa delas.