Rei rainha foram ao mar...Mal-me-quer, bem-me-quer, pouco, nada, amor? Ou joaninha voa voa, leva cartas a Lisboa.
- São muitas as lengalengas que transmitimos de uma geração para outra. A linda falua, o cuco que não gostava de comer couves... Com o tempo esquecemos qual é a rima e o encadeamento, ou pensamos que a esquecemos até nos depararmos com alguma situação, normalmente uma das nossas Pessoas mais pequeninas, e tudo recordamos. Volta tudo, como um bilhete antigo do elétrico ou do autocarro num noves fora amigo a "adivinhar": um, amor; dois: gosto; três: desgosto; quatro: carta; cinco: encontro; seis: paixão; sete: declaração; oito: perfeição; nove: noves fora, nada.
Esse nada é um nada sem esperança, um nada aborrecido, a viagem onde não se adivinha um acontecimento. Ou porque a viagem se faz sozinha, e como diz o ditado, “um é mau, dois é bom, três… é, (em alguns casos) demais.
Como é demais para as joaninhas, e para as cotovias, este vento de Outono, a levar tudo pelo ar, atirar com os ramos das árvores, transformar a horta em destroços de estacas e partir as ramas do tomate-cherry, que este ano surgiu das sementes do ano passado, só no final do mês de Agosto. Enfim, a ser aquilo que o vento, e o mau tempo, são: a natureza e os seus eternos ciclos que levam, e trazem, tudo.
Na orla a linha de arbustos de malmequeres aguentam-se bem durante as rajadas, não parecem atrapalhar-se. Ali estão, as flores todas juntas, um maciço amarelo, e bem agarradas aos ramos, e resistem. Um empurrão do vento, e espalham-se as sementes para onde, sem poder, chegam.
E também chega, mesmo se devagar, mesmo se quieta, a voz, das "Joanas", e mais longe voa quando ecoa nos corações a vontade de passar palavra, de umas Pessoas para as outras, de umas gerações para as outras.
Para o caso, são as Joanas, porque falei da joaninha que leva mensagens na esperança de se receber um sinal de alguém que está longe, e passo pela Joana Marques que parte a loiça toda, para terminar na Joana Vasconcelos que faz da loiça (entre outros objetos) arte. Existem inúmeras outras Joanas, claro, a Joana d'Arc, Joanne Harris...tantas, tantas, e maravilha das maravilhas, não são só as Joanas que são especiais, são as Joanas, as Saras, as Mafaldas e Matildes, as Paulas, as Susanas, as Isabeis, as Ritas e Rutes, as Anas e Marianas, as Catarinas e as Marias, as Iolandas, as Mimzelles e as Nias, as Inezes, as Raqueis, as Célias e as Manés, as Menas e Filomenas, as Piedades, as Judites, as Lucilias e Alexandras, as Beatrizes e Auroras, as Aureas, as Helenas e Leonores, as Cristinas e Carolinas… todas, com tantos nomes diferentes de A a Z, mas iguais na amizade e solidariedade. Sempre, e ainda mais quando é mesmo preciso, unidas nessa amizade.
Porque na amizade a tradição ainda é,e será, o que era.
“Para (…) uma amizade, tem de haver dois sentimentos (…): a paciência e a fidelidade. A paciência é como um tijolo, a fidelidade é como uma raiz. (…) Se as associo a uma imagem física, penso em pequeninos tijolos ou em raízes. Com os tijolos constrói-se, graças às raízes, cresce-se.”
Susanna Tamaro, in Querida Mathilda, Ed. Presença.
P.S.
Fiz uma pesquisa só para me sentir uma verdadeira Dori do Nemo, as versões que recordo das lengalengas não as encontro!
Por isso, deixo aqui a versão que recordo (além da do mal-me-quer e da prova dos nove que adivinha) do pico pico, onde se vão beliscando e escondendo os dedos, uma espécie de um dó-li-tá, cara de amendoá, quem está livre, livre está:
“Pico pico Sarapico, quem te deu esse bico?
Foi o filho do Luís que está preso pelo nariz.*
Salta pulga na balança, dá um pulo, vai até França,
Os cavalos a correr e as meninas a aprender.
Qual será a mais bonita que se vai esconder?
(altura para se esconder um dedo)
Sarapico, pico pico, quem te deu esse bico?
*Nas vezes seguintes substituir por:
Foi a vaca chocalheira que anda por trás da ribeira.
Pico pico, sarapico, quem te deu esse bico?
Foi a velha da botelha a piscar a sobranceira.
Tenho a ideia de que ainda havia outra que rimava com sardinha e rainha…?
P.S.#2
Por falar em coisas antigas, a imagem do início deste post, é uma fotografia parcial do tapete que me propus fazer, mais ou menos em 2019 ou 2020, num dos desafios dos 100 dias. Com base numa obra do pintor, ilustrador e autor de banda desenhada, Vítor Peon, está agora finalizado ( levei muito mais do que 100 dias para o terminar, para aí os desafios todos, até o de 2022 que está a decorrer) e seguiu para atapetar outros ninhos, de outra geração, onde se une o melhor da tradição com a inovação.
Por mim, penso que é um exemplo do ditado "leva um grão de areia todos os dias para o mesmo sítio e em breve terás uma montanha."