Quer um cafezinho?
Cotovia@mafalda.carmona
Ou a "sui generidade" das profissões e a dificuldade da sua definição
- Sempre existiu, e continua a existir, uma enorme dificuldade em encaixar determinadas profissões na normalidade. De simplificar a explicação das suas características e funções sem ser redutor. Ou mesmo de as aceitar enquanto profissão.
O que é o caso da definição de profissão para quem negoceia em café e cacau, produtos de produção inexistente no nosso país e por isso quando comercializados obrigarem a importação.
Imagem de artigo publicado aqui sobre os diferentes tipos de café.
No caso do café, desde o seu comércio, às enormes chávenas de louça servidas a quase todas as refeições lá em casa, poderemos mesmo chamar-lhes malgas, do pequeno almoço, bem cedo, entre as 6 e as 7 da manhã, à pequena chávena de café depois do jantar, com café claro, límpido e bem quente, assim como o cheiro do café e a sua inclusão como ingrediente em bolos e sobremesas doces, são as memórias mais características que guardo do meu pai.
Ontem, dia 1 de Fevereiro, em 2017, o meu pai deixou-nos, à sua pequena família, para iniciar um outro caminho, onde eventualmente, nos iremos encontrar algures no futuro, nesse que é o caminho desconhecido, mas o fim de todos nós, nesta forma de existir na Terra.
Inevitavelmente a data avivou recordações e entre elas, esta do café, pois o assunto do café e do meu pai, era sempre motivo de alguma crispação nos primeiros dias de aulas, quando tinha de responder (e era mesmo por obrigação) ao questionário do aluno, onde as perguntas incluíam a profissão e ou ocupação do encarregado de educação.
Quando a resposta incluía a exportação e importação de café e cereais, invariavelmente o professor ficava a olhar para mim como se os grãos de café aparecessem descascados, torrados directamente do cafeeiro para a sua cafeteira de casa ou na bica no restaurante a seguir ao almoço, sem passar pelo processo de colheita, compra, torra, armazenamento em silos ou enormes gares, compra, exportação em cargueiros, nova armazenagem (se não azedassem no transporte ou em qualquer outra fase deste longo processo), venda, empacotamento, venda, distribuição, superfície comercial, prateleira, venda, professor, compra, cafeteira...
Todos os anos eu renovava a minha fé num resultado diferente perante a minha resposta. Nada. Mais do mesmo. Ficava atónita.
Pensei em mudar a resposta e experimentei o "comércio de café e cereais".
Então, a confusão passava por o Sr. Professor pensar que quem negociava em café e cereais seriam apenas os donos do café ou da padaria... Sei que nessa altura, pré união europeia, ainda não se passavam dias inteiros em Bruxelas a negociar as quotas e preço tonelada da banana, e da banana da madeira versus as vindas de outras latitudes, mas, mesmo assim, o desconhecimento do básico ( o bê-a-bá ou, como dizem nos United States o 1-0-1) do comércio era, no mínimo, intrigante.
Também me causava estranheza a insistência, do.. "Ah, tem um café?"
Não senhor não tem café nenhum. Comercializa café, para isso tem de contactar os produtores, marcar deslocações, ter uma amostra, para ser torrada, até existe um kit portátil para poder fazer essa tarefa no local e permitir a prova da amostra, coisa complexa, avaliar o valor da produção, os gastos de transportes, navios, silos e armazenamento, e por aí senhor professor, que só falta chamar ao Gengis Khan e ao Marco Polo, e antes deles aos fenícios e a todos os outros, condutores de veículos, ignorando toda a parte histórica, comercial e cultural que através desta atividade permitiu que a civilização se desenvolvesse...
Insisti e resisti em desistir e noutro ano dei outra resposta: "comerciante". De quê? Pergunta o professor. De café e cereais... Ah, tem uma mercearia? Não não tem. Trabalha em exportação e importação. Next. Passávamos para um outro colega de turma, que aqui já se percebeu que não se percebeu.
Ajuda preciosa para o esclarecimento de como funciona a indústria do café foi dado pelo Sr. Clooney, o George.
Infelizmente, ou felizmente, já não estava a frequentar o ensino secundário (o 2°/ 3° ciclo). Mas, mesmo se à posteriori, foi o início da época da luz, do esclarecimento, agora todos podiam ver como este processo se dava, desde o cafeeiro, passando pela produção, colheita (safra) e distribuição sustentáveis até chegarmos ao "What Else?".
Nespresso, campanha publicitária com George Clooney.
O marketing (outra nova profissão que em tempos de chamou "publicidade") é de facto uma coisa extraordinária.
Apresenta aquilo que estava a vista de todos de um modo tão apelativo que transmuta as pessoas, coisas e as situações em outras pessoas, coisas e situações. Entre a publicidade e a propaganda vai um passo, e maioria das vezes não se consegue distinguir até quão longe, ou perto, da realidade nos levam as imagens e discursos. Ao ponto de nos fazer esquecer a origem e verdadeira natureza do que se nos apresenta, ilude através de imagens a prometer vidas e produtos perfeitos, mas por outro lado, todos sabemos o que é marketing.
Assim, se fosse hoje, provavelmente, a minha resposta seria compreendida, graças ao George Clooney poder beber o seu cafezinho onde quiser e "What else", ou no caso "Whatever" como resposta ao Sr Professor se ainda assim insistisse em não perceber.