Algo vai mal...
Cotovia@mafalda.carmona
- Algo vai mesmo muito mal, na governação e na sociedade em Portugal, quando vemos os médicos a fazer greve.
E é por isso que este postal inicialmente publicado no passado mês de março, passados largos meses e duas estações, a da primavera e verão, vem agora neste outono de 2023, e infelizmente, a ser republicado, porque nada se alterou na situação no nosso país referente às necessárias melhorias e urgentes modificações no sistema nacional de saúde.
No entanto, ao contrário do Ministro da Saúde, a Cotovia fez alterações neste postal que foi parcialmente foi editado pois havia sido publicado no dia 8 de março, o dia da Mulher.
Assim, feita a clarificação nesta introdução dos motivos para a re-publicação e quais as edições, aqui fica o postal:
Traição...
...ou...greve dos médicos: a traição do governo aos profissionais de saúde(?!)
Esta publicação destina-se a fazer uma reflexão sobre o apoio à greve dos médicos como um acto de solidariedade com os profissionais que lutam por um sistema nacional de saúde digno e um país mais justo e solidário.
Os médicos em Portugal estão em greve de dois dias em defesa do Sistema Nacional de Saúde, isto é do conhecimento de todos.
Aquilo que temos de ter em consideração é que esta luta não é apenas pelos médicos em si, mas pelo sistema nacional de saúde como um todo pois precisa urgentemente de investimento e de políticas públicas adequadas para poder funcionar de forma eficaz.
E, por isso, é muito importante apoiar a greve dos médicos, que lutam não apenas pelos seus próprios direitos, mas sobretudo pela melhoria das condições de trabalho, sendo também uma luta pela dignidade da saúde pública em Portugal.
Como disse o escritor António Damásio em seu livro "O Sentimento de Si":
"A coragem é o compromisso com uma causa importante, uma causa em que a vida está em jogo"
(...)"Coragem é a disposição para enfrentar algo difícil, doloroso ou perigoso.
A coragem é uma virtude que se torna especialmente importante em momentos críticos e ameaçadores, quando o risco de fracasso ou de perda é elevado".
Todos lhes reconhecemos, e agradecemos, que durante a pandemia de COVID-19, a grande e esmagadora maioria dos médicos mostrou coragem, dedicação e abnegação, cumprindo com sentido de missão o juramento de Hipócrates, colocando a vida dos seus pacientes acima dos seus próprios interesses pessoais e mesmo de saúde, tendo muitos deles perdido a vida em Portugal e no mundo porque, como era esperado, puseram a vida e o tratamento dos seus pacientes acima das suas próprias vidas.
E agora, em tempos de crise, como seria de esperar, não os podemos abandonar nesta luta por um sistema nacional de saúde digno, por um sistema que lhes permita continuar a salvar vidas e a proporcionar aos seus pacientes e utentes do Serviço Nacional de Saúde, um tratamento, cuidado e acompanhamento em condições de dignidade.
Os médicos em greve, têm coragem para enfrentar o governo, através do último recurso, o da greve, como forma de expressar a sua luta por condições de trabalho mais dignas e reposição dos tempos de serviço, redução para 35 horas de trabalho semanal em lugar das 40 atuais (mas são sempre mais, como se pode facilmente verificar) entre tantas outras reivindicações justas, como a recusa do aumento das horas extraordinárias de 150 para 250.
Ou seja, o governo pretende que estes profissionais trabalhem mais 31 dias de 8 horas horas de trabalho, por ano, em horas extraordinárias, em lugar de procederem e implementarem medidas adequadas que não passam pela exigência de aumento de horas extraordinárias.
Se além das horas extraordinárias, somarmos as 5 horas que fazem a mais por semana, nas 40 horas de trabalho em lugar das 35, somam mais 32 dias completos de 8 horas, por ano de trabalho.
Assim, uma das perguntas que é urgente fazer, em nome da lei do trabalho e das condições em que querem obrigar os médicos a trabalhar, é:
Porque se exige e se quer normalizar, que um ano de trabalho dos médicos tenha não 12 meses, mas 14?
Sim, leram bem, 14.
E sim, a população sente-se prejudicada pelas consultas e outros atos médicos adiados por causa da greve. E sim, também os pais e alunos se sentem prejudicados pela falta de aulas quando da greve dos professores.
Mas, sim, se é evidente que as condições de trabalho são um factor crítico em qualquer profissão, não é diferente nem para os médicos, nem para os professores, e não é uma situação crítica por uma semana ou um mês, é uma vida inteira.
A política do governo é de desinvestimento, e a sua principal proposta, a única aliás, é esta:
Desacreditar os profissionais que estão em greve e negar qualquer responsabilidade na melhoria do sistema nacional de saúde.
No entanto, é importante lembrar que esta foi uma das bandeiras de campanha política para as eleições, com promessas por cumprir e completa ausência de trabalho em procurar e apresentar soluções.
A maioria dos médicos em Portugal é composta por profissionais competentes e dedicados que lutam por um sistema nacional de saúde digno e que colocam a vida dos seus pacientes acima de tudo.
Devemos mostrar-lhes a nossa solidariedade e apoio nesta luta, assim como apoiar todos os que lutam por condições de trabalho mais justas e dignas.
Ontem, pelas 15 horas, em frente ao Ministério da Saúde, os médicos manifestaram-se e a greve teve 85% de adesão. Estes números só acontecem porque realmente os médicos precisam de recorrer a esta forma de luta.
Mostremos o nosso apoio a todos aqueles que estão na linha de frente na defesa do bem comum, tal como os médicos responderam "já" quando deles o país precisou e precisa, respondamos agora com igual prontidão, porque "amor com amor se paga", como sociedade civil que reconhece a necessidade de fazer melhorias no sistema, temos voz para pressionar e chamar o governo a cumprir com a sua responsabilidade, pois o problema não é só dos médicos, é de todos nós.
Encerro esta reflexão com outra citação de António Damásio, o médico neurocientista e escritor português, nascido em 1944 na cidade de Lisboa que é conhecido pelos seus estudos sobre a neurobiologia das emoções e da consciência, tendo contribuído significativamente para o conhecimento dos mecanismos cerebrais subjacentes à emoção e tomada de decisões, António Damásio estudou Medicina na Universidade de Lisboa:
"Somos seres corajosos quando defendemos o que é justo e fazemos o que é correto."