Os sonhos e os onironautas...
Cotovia@mafalda.carmona
Ou ainda na saga das viagens
- conhecer o destino onde passamos, mesmo sem nos darmos conta, um terço das nossas vidas, nada mais do que no Somni Mundo. Este é o tema de um artigo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o sono, ficamos a saber que em 90 anos, das nossas vidas, 30 anos são passados a dormir. Portanto, neste momento o tempo que passei a dormir já atingiu a maioridade, e pode fazer as aulas para o código e carta de condução ou inscrever-se num curso de piloto e obter o brevet de voo. O artigo não se refere seguramente ao tempo de sono desta Cotovia, mas sim a estatística geral da média de horas de sono de uma Pessoa com 90 anos de vida. Ou seja, o número de anos passados a dormir, no chamado vale dos lençóis, ou Somni Mundo, povoado de sonhos, presentes mesmo se não recordados.
O objetivo dos sonhos, se têm alguma função durante o tempo dedicado a dormir, bem como saber o que é o sono, porque precisamos de dormir, ou pelo contrário, porque não conseguimos dormir, e como podemos ter um tempo de sono mais saudável, pois se dormir é motivo de curiosidade e fascínio, não dormir é um tormento, dando origem às insónias, ou noites "insomnes", assunto abordado neste outro monólogo da Cotovia, aqui.
O mesmo pensam os especialistas dedicados ao estudo do sono, que para entenderem e avaliarem quais os benefícios do sono, observam as perturbações que resultam da sua privação.
Para já as conclusões deste estudo científico são muito semelhantes às que podemos observar empiricamente: dormir é mesmo muito necessário, o sono, e o sonho, são fundamentais para o nosso descanso, e para manter o cérebro saudável, nomeadamente agindo como reconstituintes.
De acordo com este estudo, existem 12 hábitos que beneficiam a qualidade de sono, entre eles, "tornar o quarto silencioso e escuro; adormecer e acordar sempre à mesma hora; abster-se de exercícios físicos vigorosos, pensamentos stressantes ou de estimulantes como cafeína ou nicotina, e mesmo álcool, que, para a maior parte dos indivíduos, causa sonolência, de facto produz um sono perturbado, fragmentado e resulta num tempo total de sono menor."(Haiti e Linde, 1991)
E é exactamente sobre esse tempo de dormir que se debruça o artigo referido que podem ler aqui: https://ffms.pt/pt-pt/atualmentes/os-segredos-do-sono
Quanto aos sonhos, é um tema misterioso e como outros temas que proveem desta "caixa negra" que comanda e regista o "voo" humano ( refiro-me ao cérebro), muito há para descobrir.
Talvez por isso, os japoneses tenham definido para esse tempo passado a dormir, preenchido por sonhos, uma palavra que em japonês quer dizer "aquele que viaja sozinho".
Esta designação tem a sua lógica, pois o navegante dos sonhos é aquele que empreende uma viagem dentro de si mesmo, unicamente só, sem possibilidade de ter qualquer outra companhia senão a sua, e os sonhos serão uma espécie de confessionário interno, onde de modo simbólico, as diferentes partes do ser ( o Eu e o super-Eu, ou Ego) tentam enviar mensagens e comunicar.
Ainda antes de Sigmund ( Freud), outros atribuíram significados e tentaram interpretar os sonhos, e através de um trabalho continuo, de grande paciência e registo, podemos treinar a capacidade para recordar e interpretar os sonhos. Mas, será possível controlar os sonhos? O estudo de um aluno apresentado como trabalho final de tese de mestrado integrado em Medicina da Faculdade de Lisboa, Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica, Jorge Luís S. A. M. Governa, abordou esse tema, o dos sonhos lúcidos e técnicas de indução:
"Nos sonhos lúcidos o sonhador está consciente de que está a sonhar, e com frequência é capaz de influenciar por vontade própria o processo onírico decorrente.
Os sonhos lúcidos constituem uma competência passível de ser aprendida, havendo na literatura uma grande variedade de técnicas sugeridas para indução de sonhos lúcidos.
Neste trabalho elaborou-se uma revisão das diversas técnicas de indução descritas nas últimas décadas. (...)"
Podem le-lo aqui: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/42298/1/JorgeLGoverna.pdf
Ou ainda na Wikipédia na entrada para a definição de onironauta: https://pt.wikipedia.org/wiki/Onironauta
Colocado doutro modo, existe uma narrativa interior, uma viagem que ocorre em paralelo com a vida vígil, uma epopeia de décadas (em média as tais 3 décadas de vida a dormir), de cada um dos seres humanos, os mais de 8 biliões, segundo o marco ultrapassado no passado mês de novembro de 2022, desta aventura de herói e vilão único, que terá muito mais do que os 10 cantos dos Lusíadas de Luís Vaz de Camões,( quando Luís ainda se escrevia com z).
https://plataforma9.com/publicacoes/luis-de-camoes-a-global-poet-for-today.htm
Camões que aliás dedicou vários poemas ao sonho, entre eles o "Doce Sonho, Suave E Soberano", um belíssimo soneto decassilábico:
Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!
Ah! deleitoso bem! ah! doce engano!
Se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.
Ditoso, não estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!
Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino."
Assim, desde sempre biliões de sonos e sonhos co-existem (incluído os de Camões) como um pano de fundo invisível, e, se pudessem assumir uma forma material, formariam um imenso céu de imagens oníricas observável, tal qual uma aurora, a percorrer o globo terrestre ao ritmo do tempo, da noite, e das civilizações?
Outra informação interessante é saber que existem mamíferos excluídos deste processo onírico: os golfinhos e os morcegos. O porquê, um mistério, mas pensando sobre o assunto, o facto de se movimentarem por um sistema semelhante ao sonar, e não por imagens e referências visuais, poderá fazer parte da explicação, mas não estará suficientemente alargado o estudo do sono a todos os mamíferos, entre eles os que usam outros sistemas de orientação que não o visual, como as toupeiras, e portanto não existem conclusões abrangentes.
Aquilo sobre o que podemos refletir é se os sonhos poderão ser um meio para nos conectarmos ao nosso eu interior, e de que modo poderão contribuir para a construção de um ser individual saudável e para a melhoria pessoal.